terça-feira, 12 de agosto de 2014

EDUCAÇÃO E REALIDADE





DEPOIMENTO


ANA MAE BARBOSA


Ana Mae Barbosa é professora aposentada da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e professora do Mestrado em Design, Arte e Tecnologia, da Universidade Anhembi Morumbi (SP). Foi presidente da Asso- ciação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e da International Society for Education through Art (INSEA). Também dirigiu o Museu de Arte Contemporânea da USP. Neste depoimento à Educação & Realidade, a autora afirma ter chegado à conclusão, a partir de inúmeras pesquisas, de que o ensino da Arte, promovido pelas Organizações Não Governamentais (ONGs) que têm como base o trabalho comunitário –, é o que está produzindo melhores resulta- dos, no sentido de desenvolver a cognição de crianças e jovens. Comenta al- guns desses projetos, denunciando a falta de consciência política da grande maioria dos arte-educadores. Além disso, faz referência a pesquisas históricas e metodológicas que trazem à tona problemas políticos do contexto educacional brasileiro, em relação ao ensino de artes.


Pesquisas em Arte-Educação: recorte sociopolítico

Minhas mais recentes pesquisas têm comprovado que o ensino da arte de melhor qualidade não está nas escolas, mas nas Organizações Não Governa- mentais (ONGs), que buscam a reconstrução social de crianças e adolescentes. No Brasil, todas as ONGs, que têm obtido sucesso na ação com os excluídos, esquecidos ou desprivilegiados da sociedade, estão trabalhado com arte e até vêm ensinando às escolas formais a lição da Arte como caminho para recuperar o que de humano no ser humano.







Entretanto, um problema está se criando. As ONGs, sem compromisso com a camisa de força escolar, representada pelo currículo, desenvolvem um trabalho com crianças e adolescentes fora do sistema escolar, abandonadas e vivendo na rua, de modo a levá-las a descobrir suas habilidades e a ter alegria com as descobertas. Enfim, recuperam essas crianças para entregá-las a uma escola, cujo maior valor parece ser hoje a obediência a um currículo nacional e aos instrumentos de controle do Estado (os testes e exames), como manda o credo neoliberal, e não o estímulo para aprender a aprender. As chances de essas crianças serem rejeitadas pela escola e voltarem à rua, que é muito mais atraente, são muitas.
O desejo de aprender e de investigar é análogo ao desejo ficcional. Através da arte, o sujeito, tanto nas relações com o inconsciente como nas relações com o outro, põe em jogo a ficção e a narrativa de si mesmo. Nisto reside o prazer da Arte. Sem a experiência do prazer da Arte, por parte de professores (ou mediado- res) e alunos, nenhuma teoria de Arte-Educação será reconstrutora.
No modernismo falava-se em Arte na Educação, para o desenvolvimento da sensibilidade, mas poucos tentaram conceituar tal sensibilidade, deixando-se dominar pela “lamúria psicologizante” e pelo sentimentalismo. Hoje, principal- mente, deseja-se influir positivamente no desenvolvimento cultural dos estu- dantes através do ensino e da aprendizagem da arte. Ora, não podemos entender a cultura de um país sem conhecer sua arte.
Como uma linguagem aguçadora dos sentidos, a arte opera com significa- dos que não podem ser transmitidos através de nenhum outro tipo de lingua- gem, tais como a discursiva e a científica. Dentre as artes, as visuais que têm a imagem como matéria-prima tornam possível a visualização de quem somos, onde estamos e como sentimos. Relembrando Fanon, eu diria que a Arte capaci- ta um homem ou uma mulher a não serem estranhos em seu meio ambiente nem estrangeiros no seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando seus lugares no mundo.
A arte na educação, como expressão pessoal e como cultura, é um importan- te instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Através da arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica e assim analisar a realidade percebida, pela criatividade, de modo a mudar de alguma forma a realidade que foi analisada.
O conceito de criatividade também se ampliou. Para a educação modernista, dentre os processos mentais envolvidos na criação, a originalidade era o mais valorizado, daí o apego do modernismo à idéia de vanguarda. Nos dias de hoje, a flexibilidade e a elaboração são os fatores da criatividade mais ambicionados pela educação.
Em Nova York, nos anos 80, uma pesquisa com delinqüentes juvenis che- gou à conclusão de que eles tinham uma capacidade de elaboração e criação







muito pouco desenvolvida. Aqueles meninos manifestavam enormes dificulda- des em reelaborar seu meio ambiente, para melhor adaptá-lo a seus desejos e necessidades. Essa incapacidade freqüentemente gerava violência. Envolvidos em projetos de arte, porém, a grande maioria deles foi capaz de sobrepujar suas limitações conjunturais e reconstruir as próprias vidas.
Desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade todos esses são proces- sos criadores desenvolvidos pelo fazer e ver Arte, fundamentais para a sobrevi- vência no mundo cotidiano.
Inúmeros projetos com crianças e adolescentes, no Brasil, estão mostrando o poder da “ordem oculta da arte”. Dentre eles, o mais famoso é, sem dúvida, o Projeto Axé na Bahia, iniciado por um iluminado italiano; também muito impor- tante é o trabalho de Roseana e Alemberque Quindins, no Ceará. Lá, foi criado um museu de mitos e arqueologia da região, uma rádio, um grupo de música, uma editora (e quase uma TV, não fosse a intervenção da Anatel, órgão federal controlador, que lacrou o transmissor do canal, impossibilitando a meninada de aprender a fazer TV, na cidade de Nova Olinda. no Cariri, a região mais pobre do Ceará.
Também o Projeto Travessia, em São Paulo, o Cria, em Salvador, o Majê Molê, o Nação Erê e o Arricirco, no Recife, o do Casa do Pequeno Davi do Bairro Roger, em João Pessoa, o Renascer, de Fortaleza, o Maruê Malungo, do Recife experiências muito bem sucedidas na reconstrução social dos adolescentes. Falo apenas dos que conheço, mas muitos educadores, heróis anônimos deste Brasil, dedicando-se às suas comunidades.
O Projeto Sempre Viva, por exemplo, devolve a auto-estima de mulheres pobres, fazendo-as verem seus corpos como suporte de desenvolvimento esté- tico. O Projeto Cais do Parto de Recife, trabalhando também com mulheres1, ensina, através das Artes, parteiras do Nordeste a melhor conhecerem o corpo feminino; com isso, diminuiu a taxa de mortalidade infantil nas regiões onde opera.
Tudo isto vem confirmando que arte não é apenas uma mercadoria, como querem os capitalistas, nem quadro para pendurar na parede, como dizem com menosprezo os preconceituosos para quem arte é um luxo, sem o qual um país endividado como nosso pode passar. Aliás, é essa a desculpa que o Governo do Estado de São Paulo está dando para retirar a arte do Ensino Médio, no Estado de São Paulo. A idéia é colocar computação no lugar da arte. Por que não, em vez disso, arte através do computador?
Outra estratégia para burlar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação que exige a disciplina de Artes no currículo é entregá-la para os professores de Literatura, com a desculpa da interdisciplinaridade. Sim, literatura é arte, mas não se dedica às linguagens visuais, sonoras e gestuais.
Enfim, é por essas e outras dificuldades que as ONGs, com muito menos dinheiro do que o MEC, vêm investindo em Educação, conseguem educar me-







lhor e combater muito mais eficientemente a exclusão e a violência. O projeto de Roseana e Alembergue, por exemplo, é incrivelmente barato. A ajuda maior tem vindo de Violeta Arraes, que foi reitora da Universidade do Cariri (um milagre no sertão!) e de um empresário de origem oriental de São Paulo, que por passou e que se encantou com o trabalho cultural das crianças. Elas produzem os pro- gramas de rádio que vão ao ar, desenham os livretos a serem impressos, coorde- nam as visitas guiadas ao museu por eles organizado; participam de tudo, desde a pesquisa feita na região, até decisão sobre a disposição das peças no espaço e a produção das narrativas, textos e etiquetas.
Não violência entre os jovens e adolescentes em Nova Olinda. Uma das razões é que não se trata de exploração do trabalho, mas de projeto comunitário mesmo. As crianças têm poder de decisão. Elas têm cargos de diretoria e com- põem o conselho da Casa de Cultura do Homem do Nordeste, nome dado por Quindins a seu projeto.
É muito importante democratizar o poder nos projetos sociais. Que direito temos nós de decidir o que é mais importante para uma comunidade, se não fazemos parte dela? César Giobbi2, em um excelente artigo na A Revista, fala dos projetos de Sérgio Carvalho, dono de vários shoppings centers no Brasil; dialo- gando com as comunidades pobres em torno do Shopping Nova América, em Del Castilho, no Rio, obedeceu aos desígnios da comunidade e criou primeiro uma creche, depois cursos profissionalizantes para jovens, a fim de tirá-los das ruas e finalmente um day-care para idosos. Dar voz aos oprimidos deveria ser o primeiro mandamento dos projetos ditos sociais. Decidir sem ouvir, isso o Go- verno já faz continuamente. Para compensar, o poder do terceiro setor deveria ser mais dialogal. Foi ouvindo os moradores de uma comunidade que o empresá- rio Sérgio Carvalho instaurou uma curiosa relação de oposição: um shopping center, definido por Rem Koolhaas3 como atividade terminal (doença terminal) da sociedade ocidental, traz qualidade de vida para os que vivem à sua margem.
Ando muito ressabiada com o trabalho de artistas que apenas exploram os pobres, fazendo-os trabalharem de graça em projetos totalmente definidos e controlados pelos próprios artistas. Da defesa da absoluta autonomia da obra de arte, feita pelo modernismo pela qual se afirma que arte não tem nada que ver com o contexto, não é para se entender, não se ensina e não se aprende –, muitos artistas passaram para o lado oposto e provavelmente a pensar que é útil ou oportuno trabalhar com pobres. Muitas vezes, como disse Marcelo Coelho, “o espírito do voluntariado não surge tanto para ajudar os outros, os coitados do lado de lá; a coisa é em benefício da gente mesmo”4.
E, em outros casos, voluntários e artistas acrescentam mais um nível de exploração aos tão explorados, apesar das boas intenções porque não sa- bem lidar com comunidade nem com a aprendizagem de arte. Ora, é necessário conhecer e analisar o processo de trabalho em comunidade para avaliar e julgar sua propriedade. Vocês devem ter notado que neste depoimento tenho citado







muito entrevistas ou artigos de jornais. Curiosamente, são os jornais os veícu- los da mídia que mais têm ousado analisar criticamente as atividades do Terceiro Setor, em geral aplaudido indiscriminadamente pela classe média, órfã da prote- ção estatal e com consciência em relação aos mais pobres consciência esta introjetada pela classe alta em seus subalternos para melhor dominá-los.
As TVs comerciais, como a Globo, quando veiculam algum projeto social o fazem às 6 ou 7 horas da manhã, como no caso do Programa Ação, talvez para convencer o operário que acorda cedo de que “a vida é bela”. O empenho dos jornais em relação ao Terceiro Setor certamente tem um lado positivo. Mas o fato é que a crítica educacional se faz no jornal se o projeto estiver ligado ao Terceiro Setor, que tem glamour e pode pagar assessorias de imprensa compe- tentes. Por exemplo, os projetos de arte na educação mais divulgados nos jor- nais são os financiados pelo Instituto Ayrton Senna que, por sua vez, apóia principalmente projetos que comprovaram serem bem sucedidos.
Sergio Bianchi, em entrevista à Folha de S. Paulo5 acerca de seu último filme, Quanto custa ou é por quilo? (que enfoca o marketing social”) lembra que está se criando uma nova escravidão: a escravidão comandada pelo chama- do Terceiro Setor, que quer propaganda. Até mesmo algumas Fundações em prol da educação e do social existem para terceirizar o Governo, recebendo gordas verbas, executando o serviço que o Governo quer que seja feito, mas não quer fazer diretamente. Agregam ao serviço prestado a divulgação das empresas às quais as Fundações estão ligadas. Na maioria das vezes, o marketing da empresa vem em primeiro lugar. Outras, ditas fundações, apóiam economica- mente projetos que possam se auto-sustentar em determinado prazo; e proje- tos sociais, como o Majê Molê, grupo de dança da periferia pobre do Recife, que nunca poderão se autofinanciar, a não ser que se comercializem, o que resulta sempre em exclusão dos menos dotados e talentosos, que também muito neces- sitam do contato reconstrutor com a arte.
Apesar de algumas vezes submetido a um certo marketing sanguessuga, o Movimento de Arte para a Reconstrução Social vem demonstrando a necessida- de da Arte para todos os seres humanos, por mais inumanas que tenham sido as condições que a vida lhes impôs.
Um projeto de pesquisa realizado por Lívia Marques, intitulado “O ensino da Arte em ONGs: tecendo uma análise da reconstrução pessoal e social”, ao abordar três projetos de ONGs do Nordeste do Brasil (Renascer, Casa do Peque- no Davi e Maruê Malungo), visou entender as concepções de diretores, profes- sores e estudantes acerca da Arte-Educação nessas organizações. Buscou tam- bém analisar os perfis dos professores de Arte e quais atividades artísticas foram desenvolvidas. A pesquisa mostrou que o ensino de Arte é considerado de fundamental importância na conquista de uma reconstrução pessoal. Quanto ao perfil dos professores, ficou claro que a formação acadêmica não necessaria- mente implica na capacidade de ensinar arte nas ONG’s. Um profissional pode







ter o título de Doutor, mas falhar ao ensinar os excluídos socialmente. Habilida- des técnicas e interpessoais, para estabelecer um diálogo, estão em um mesmo nível de importância em tais programas de ensino. A pesquisa também concluiu que os tipos de atividades artísticas prevalecentes são as de performances coletivas (tais como, dança e teatro). Outra descoberta foi que, diferentemente das escolas, os professores de Arte das ONG’s são em sua maioria homens. Lívia Marques identificou 134 ONG’s que estão trabalhando com Arte na Paraíba, Ceará e Pernambuco.
Com respeito a gênero, duas pesquisas importantes foram apresentadas como teses de doutorado, em 2005: a de Vitória Amaral e a de Luciana Gruppelli Loponte. A primeira estuda seis mulheres artistas do Nordeste do Brasil, inves- tigando os modos pelos quais aprenderam arte. Todas elas descobriram arte por acaso e não na escola primária ou secundária. Somente uma tem consciência de ser uma mulher batalhando no mundo dominado por homens. Vitória conseguiu espaço numa instituição de prestígio, para organizar uma exposição das artistas que pesquisou. A primeira que convidou se recusou a participar de uma exposi- ção de mulheres artistas. Para ela, isso “pegaria mal”; provavelmente tem medo de perder prestígio. A situação anti-feminista de hoje é a mesma de quinze anos atrás, quando eu era diretora do MAC/USP, e as mulheres artistas se recusaram a participar de uma exposição, com o argumento de que se apre- sentam como mulheres as artistas medíocres, que não podem fazer sucesso na competição com os homens (Barbosa,1994). Na outra pesquisa sobre gênero, educação e arte, Luciana Gruppelli Loponte analisa questões da subjetividade de mulheres envolvidas com o ensino de Artes, num trabalho de trocas com as professoras, que participaram de um projeto de “escrita de si” com a pesquisadora.
Outros estudiosos têm mostrado, em suas pesquisas historiográficas, o papel das mulheres no desenvolvimento da Arte-Educação no Brasil. Antes, apenas os homens eram reconhecidos, mesmo que não tivessem Arte-Educação como sua atividade principal. Rita Bredariolli (2004), por exemplo, estudou o trabalho de Susana Rodrigues, responsável pela criação do primeiro programa de Arte-Educação em um Museu de Arte no Brasil (MASP,1948). Fernando Aze- vedo (2000), por sua vez, estudou a vida de Noêmia Varela. Gerda Margit Foerste (1996) igualmente produziu pesquisa histórica sobre uma mulher arte-educadora no Brasil.
Multiculturalismo e interculturalismo são pontos de partida de pesquisas sobre gênero e etnia no Brasil. Nilza de Oliveira (1989) estudou o ensino da Arte nas Escolas de Samba, mostrando que seu sucesso estaria baseado nos valores da negritude, compartilhados através da experiência direta. Roberval Marinho (1989) estudou o processo de aprendizagem da arte numa escola dentro de um Candomblé e a transmissão dos valores africanos; Ivone Richter (2003) pesquisou a introdução no currículo dos fazeres especiais das mães dos alunos, relacio- nando-os com a arte contemporânea; ou seja, aproximando a Arte da estética do







cotidiano. Leda Guimarães (2005), Analice Dutra Pillar (1999) e Maria Helena Rossi (2000), por sua vez, produziram pesquisas significativas acerca da Cultura Visual, analisando a recepção da cultura popular, da TV e da Publicidade.
Em dezembro de 2005, finalizei um projeto de pesquisa, com Rejane Coutinho e Heloisa Margarido Sales, financiado pelo Centro Cultural do Banco do Brasil de São Paulo, com 70 escolas em São Paulo. O objetivo da pesquisa era saber como os professores usam os materiais preparados para eles, acerca das exposi- ções do CCBB-SP. Trata-se de uma das raras pesquisas feitas por uma institui- ção cultural. Em geral, as instituições produzem cursos e materiais para profes- sores, mas não se interessam em saber como são usados e se realmente cum- prem seu papel. Um dos aspectos que verificamos foi a dificuldade que os arte- educadores tiveram em relação à Arte africana. A idéia mais geral dos professo- res foi propor a confecção de máscaras ou a pesquisa de fatos sobre a África na Internet, escolarizando os temas africanos, mantendo-os afastados do cotidia- no brasileiro, incapazes de ver a cultura material da África como Arte.
Ainda é pequeno o número de pesquisas que especificamente examinam assuntos sociais, problemas de gênero, interculturalidade e cultura material e visual no Brasil. Quanto a problemas políticos, as teses e dissertações, que são os maiores veículos de pesquisas no Brasil, pouco se referem a esses temas. As pesquisas históricas é que dão conta das conseqüências de decisões políticas sobre ensino de Arte. Entre as pesquisas históricas, temos a dissertação de mestrado de Rejane Coutinho, em que é feita a análise do livro de Sylvio Rabelo sobre o desenho da criança; em sua tese de doutorado, a autora centrou-se na coleção de desenhos infantis de Mário de Andrade. Ambas as pesquisas são contextualizadas em relação à história, à sociedade e à política da época. As teses de Vicente Vitoriano (2002), Roberta Melo (2004) Fernanda Cunha (2004) e de Erinaldo Alves (2005) também através da história abordam problemas políti- cos. Ao contrário, as pesquisas sobre métodos de ensino de Arte quase nunca abordam problemas políticos, embora os modos pelos quais se ensina estejam submetidos à força das políticas vigentes. A dissertação de Everson Melquiades
sobre “educação (des)continuada” (2005) de professores da Prefeitura do Recife e a tese de Lúcia Pimentel (1998) um excelente projeto para o futuro das Licenciaturas em Artes Visuais no Brasil são das poucas que revelam consciência política.
Fora do contexto político, teorias metodológicas e de interpretação da obra de arte estão sendo pesquisadas, resultando em excelentes textos, como o de Terezinha Losada, o de Regina Machado, o de Maria Christina Rizzi o de Heloisa Margarido Sales os quatro defendidos na ECA/USP; bem como os de de Fabíola Burrigo (UDESC/SC), Ana Del Tabor (UFPA), Teresinha Franz (Universi- dade de Barcelona), o de Sandra Ramalho (PUC/SP) e muitos mais. Novas Tecnologias e Arte/Educação é também um terreno profícuo, com trabalhos como os de Lúcia Pimentel (UFMG), Fernanda Cunha (ECA/USP), Tânia Callegaro







(ECA/USP), Jurema Sampaio (UNESP/SP) Biancho Filho (UNB), Maria Cristina Biazus (UFRGS).
A área da cognição da Arte começa a ser pesquisada, mas ainda pouca coisa escrita. O trabalho de Fernando Deoud (UFMG), o de Vera Rocha (UFRGN) e o de Cláudia Simas (UNB) são dignos de nota. Sobre interdisciplinaridade, quase não pesquisas; a de Ana Amália Barbosa (ECA/USP) sobre o ensino de duas linguagens, a Arte e o Inglês, através de métodos equivalentes, é uma das únicas existentes. É uma pena que muita pesquisa boa não seja publicada, embora hoje grande parte das teses e dissertações comece a ser divulgada em sites específicos da área acadêmica, além da sua disponibilização nas bibliote- cas dos programas de pós-graduação.
ainda pesquisas em teses ou livros, de abordagem muito ampla, e que pretendem oferecer um diagnóstico sobre a situação do ensino da Arte. São em geral inúteis, provam o que a gente sabe e, se não sabe, pode detectar a olho nu é prestar atenção. também muita lamúria sensibilizante. O dis- curso da necessidade da arte para desenvolver a sensibilidade está atrasando o pensamento crítico sobre o ensino de Arte. Se a explicitação do papel da Arte para o desenvolvimento dos sentidos fosse mais científica, ocuparíamos, em termos de pesquisa, um patamar mais elevado.
Outras teses ditas pesquisas, que atrapalham o reconhecimento acadêmico da Arte-Educação, são as que olham complacentemente para o umbigo de quem as escreve. Em geral, alguém faz um trabalho com crianças e professores e quer mostrar que aquele trabalho ou curso mudou a vida de quem o fez, na base de depoimentos que parecem de uma religião simplista: “eu era ruim antes do curso, sou maravilhosa e feliz agora, depois do curso”. Estou caricaturando, mas há muita coisa parecida com isto aí, além de textos prescritivos, pouco democráti- cos, quase ditatoriais ou simplistas, sobre como ensinar Arte.
Defendi na USP e continuo a defender as pesquisas qualitativas e etnometodológicas, mas confundi-las com autopromoção é torpeza universitá- ria. Também detratoras de nossa área são as pesquisas e textos que buscam simplificar para os “pobres” professores as complexas teorias semióticas e semiológicas. Isto é abastardamento do conhecimento. Como vemos, nem tudo anda às mil maravilhas no reino da pesquisa. Em primeiro lugar, faz-se pouca pesquisa sobre Arte-Educação fora dos muros das universidades. Os Parâmetros Curriculares Nacionais em Arte (PCNs-ARTE) estão operando dez anos, e o Governo não se interessa em pesquisar seus efeitos. Na linha de pesquisa em Arte-Educação temos três doutorados: CAP/ECA/USP, operando 22 anos, que produziu os grandes talentos para a pesquisa como Analice Dutra Pillar e Lúcia Pimentel . Elas operam hoje em duas linhas de pesquisa, em nível de mestrado e doutorado, na Faculdade de Educação da UFRGS e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), respectivamente.







Notas


1.  Nesta região, 80% dos bebês vêm ao mundo pelas mãos de parteiras e não de médicos em hospitais.
2.  César Giobbi, Rio Suburb: frequented by children and the elderly. A Revista No. 5, January 2002, p. 59.
3.  Entrevista com Rem Koolhaas Folha de São Paulo, p. E1,6 Março, 2002.
4.  Marcelo Coelho, Voluntários em causa própria”, Folha de São Paulo, p. E 6, 6 Março 2002.
5.  Entrevista com Sergio Bianchi, Folha de São Paulo, p. E 1, 22 de Fevereiro de 2002.


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